quarta-feira, 20 de abril de 2011

Prazer, Coringa.


Você dirigia enquanto eu colocava a cabeça pra fora da janela e sentia, de olhos fechados, o vento frio no rosto. O vento frio do inverno no Rio Grande do Sul. Você disse que me levaria para a serra e que teríamos arco-e-flecha e armas e caças e facas de damasco. Eu dancei nua pra você naquela noite. Naquela noite em que dormimos numa pousada em Nova Petrópolis. E vi o Coringa. Chorei, eu sei que chorei quando te olhei e você disse com voz rouca, tudo bem, vai ficar tudo bem. Não, não vai ficar tudo bem porque você é o Coringa e tem esse jeito de me olhar e esse sorriso malicioso. Eu sei, eu sei porque você me trouxe aqui, você me trouxe aqui pra debochar de mim.

O gato na parede, meia-calça preta no chão gelado, a lareira azul e folk no rádio. Na primeira vez, na tua cama, árvores, janela aberta e a lua. Vi vampiros na estrada perto de Cidreira. Nos meus sapatos vermelhos ainda há a lembrança do Bom Fim. E tinha aquele pescador solitário bem ao longe na praia. Eu fiz fotografia. Mas eu sei que um dia tudo vai acabar.

Sozinha, em São Paulo, olho para o teto branco. Não valho nada. Não sei mais andar de mãos dadas. Não sei mais dizer eu te amo. Sou agora meus sapatos vermelhos, meu jeans surrado e meus livros velhos. Posso beber com você, fumar com você, trepar com você, mas sou apenas uma garota sem esperanças. Não diga que vem me ver de novo. Porque eu vou rodar por aí a pé da Heitor Penteado até o Baixo Augusta. Vou rir e beber entre os atores todos da Praça Roosevelt. E esquecer. Não precisa me convencer de nada.Não posso mais te dar um filho. Estou velha. As coisas nunca são como antes. Há o cansaço, novas reclamações e manias. A de nunca mais querer é uma delas. Gosto de abraçar minhas próprias pernas. Dá uma sensação de conforto e abrigo. Porque essa sensação eu conheço e não oferece nenhum risco. Risco de perder de novo.Quando subir a serra mais uma vez, aumente o volume do rádio. Bauhaus há de tocar as estrelas e abrir a neblina. Segunda-feira vou até o Martinelli fotografar. Paisagem. Me convença, Coringa. Me convença de que você é mais forte. Me convença de que você sabe mesmo rir. Quero ver você rir da própria desgraça. Eu vou dançar sobre seu peito e seus braços tatuados até você chorar pela última vez. E se arrepender. Eu danço com a morte, eu tenho olhos da noite. Você é só um homem que insiste em acreditar. Estamos todos mortos descendo a mesma serra rumo ao inferno. Quando chegarmos lá no fim, aquele beijo será apenas um retrato esquecido no fundo da gaveta. Desbotado.
(naestradadenovo.blogspot.com)

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